Está acabando o prazo para a equipe econômica do governo entregar ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2024. A pasta tem até o dia 31 de agosto para apresentar as contas públicas para o ano que vem.
Após a aprovação do novo marco fiscal na terça-feira (22), as atenções se viraram para o conteúdo deste documento.
E a pergunta que fica é: o governo vai cumprir a meta fiscal de zerar o déficit federal conforme prometido?Analistas de mercado avaliam que esta perspectiva é desafiadora, e acreditam que o executivo dificilmente conseguirá deixar o déficit do país zerado.
Conforme o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung, a retirada do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) da nova regra é uma das barreiras para o cumprimento desta meta.
“Para poder cumprir a meta de zerar o déficit, o governo terá que elevar a arrecadação, sendo que isso ainda tem um longo caminho pela frente com discussões com o Congresso. Não deverá ser algo tão fácil”, diz.
Um parecer do relator do marco fiscal na Câmara dos Deputados, Claudio Cajado (PP-BA), diz que, além de poupar esses fundos da regra, também fica mantida a forma de cálculo do aporte da União ao FCDF, que continua a ser corrigido com base na variação da receita corrente líquida.
Por outro lado, o relator decidiu manter as despesas primárias da União com ciência, tecnologia e inovação, de qualquer espécie, dentro dos limites fiscais.
Cajado ainda rejeitou todas as outras alterações feitas pelos senadores, entre as quais uma brecha que o governo federal queria para abrir espaço no orçamento de cerca de até R$ 40 bilhões do ano que vem vai ser rejeitada.
Pelo acordo, esse tema deve ser abordado na Lei de Diretrizes Orçamentárias, na Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional.
Expectativa do mercado
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou da necessidade em dar andamento às reformas econômicas e o desafio fiscal para 2024, principalmente após o anúncio da decisão do Comitê de Políticas Monetárias (Copom), que reduziu 0,5 ponto percentual da taxa básica de juros, indo para 13,25% ao ano.
“Temos de reconhecer que muitas medidas já foram implementadas este ano. Estimo uma recomposição de arrecadação de R$ 93 bilhões para 2024 entre reoneração do PIS/Cofins sobre combustíveis, tributação de apostas eletrônicas, redução dos créditos de ICMS na base de cálculo de PIS/COFINS, entre outros”, explicou o ministro.
“Com isso, o resultado primário seria deficitário em R$ 115 bilhões, muito distante da meta de equilíbrio”, reconheceu o ministro.
Nos cálculos da economista-chefe da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro, a expectativa para estes gastos é de um aumento R$ 210 bilhões em relação a 2023.
Para ela, este valor inicialmente previsto pelo ministério da Fazenda é baixo se for considerado que os gastos foram aumentados em R$ 145 bilhões este ano entre Bolsa Família, saúde, educação e investimentos em infraestrutura — despesas permanentes e obrigatórias.
“Essa conta ainda não leva em consideração o custo da ampliação da faixa de isenção do imposto de renda para pessoas que recebem até dois salários mínimos mensais, e na volta dos mínimos constitucionais de gastos com saúde e educação em 2024.”
Reajuste do funcionalismo público, maior transferência de renda, investimentos, emendas, dentre outros gastos já pesam no Orçamento do governo federal para o próximo ano.
A revisão do resultado primário do terceiro bimestre das contas do governo central indica que o resultado será deficitário em R$ 145 bilhões.
Com isso, Pinheiro avalia ser necessário um esforço fiscal relevante para obter resultado primário zerado no próximo ano.
Já a receita líquida na LDO com crescimento de R$ 240 bilhões parece mais factível, destaca Pinheiro. Parte deste valor será resultado do crescimento econômico, enquanto a outra parte virá por aumento de arrecadação.
Revisão da meta
Na visão de Gabriel de Barros, economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), o governo não vai conseguir cumprir a meta, considerada ambiciosa e desafiadora.
“Ainda que o governo esteja tentando ir na direção correta, tudo indica que o tamanho da frustração vai ser grande, com déficit de 0,8% do PIB em 2024, número bem acima de zero.”
Segundo o especialista, o governo ainda irá revisar a meta, mas, por ora, deve continua na aposta que se comprometeu. Barros acredita na entrega no prazo, mas sem grandes mudanças nas perspectivas.
“Provavelmente essa proposta será revisada só no final do ano ou no começo de 2024″, explica.
“A equipe econômica sabe disso e está tentando usar o tempo a seu favor para evitar uma revisão da meta logo no primeiro ano do governo. Isso afetaria a credibilidade da nova regra fiscal”.
Proposta enviada ao Congresso Nacional
O Palácio do Planalto encaminhou ao Congresso Nacional uma mensagem pedindo alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que embasará o Orçamento de 2024.
No texto — que precisa ser analisado pelos deputados e senadores —, o governo federal propõe que até R$ 5 bilhões a serem usados no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sejam descontados da meta fiscal do próximo ano.
Na mensagem, há a previsão de abatimento da meta de déficit primário nas contas das companhias públicas do que for relativo ao Programa de Dispêndios Globais. Ou seja, das empresas estatais não controladas pela União.
Conforme informou a âncora da CNN Raquel Landim, fontes do Ministério do Planejamento dizem que essa decisão foi política.
Os técnicos contam que foi uma decisão de governo e não do ministério, e avaliam que o importante é ter um valor delimitado, e que a repercussão está sendo exagerada.
Os técnicos também explicam que não impacta na meta de déficit zero do governo para 2024 por uma questão contábil. Esses investimentos excluídos serão feitos por empresas estatais não dependentes, que não entram nos cálculos do governo central. São companhias como os Correios ou a Serpro.
Fontes de receita
A equipe econômica deve enviar ao Congresso Nacional pelo menos quatro propostas com o Orçamento do próximo ano. A ideia é fazer as medidas tramitarem na Câmara dos Deputados e no Senado Federal para serem atreladas à peça orçamentária.
Entre as ideias já sinalizadas estão a taxação de fundos exclusivos, conhecida como fundos dos super-ricos, e dos offshores — os fundos internacionais.
Além destas, há também medidas para taxar as casas de apostas esportivas, tributação para e-commerce internacional e retomada no voto de desempate no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).
Outra proposta a ser enviada ao Congresso é o fim do Juro sobre o Capital Próprio (JCP), classificada por Haddad como “a maior caixa preta do Brasil” e que “drena bilhões dos cofres públicos” em benefício de poucas pessoas.
O ministro quer regulamentar, por fim, decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como a decisão julgada em abril que reforçou que as empresas não podem usar incentivos fiscais estaduais para abater o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
O especialista em contas públicas, Murilo Viana, mostrou o quanto o governo pretende arrecadar com todas as propostas que estão sendo apresentadas, mas, ressaltou que as previsões são voláteis e já reajustaram várias vezes.
Veja as perspectivas de arrecadação com as medidas que poderão ser entregues ao Congresso pelo governo federal:
- Tributação de renda no exterior (offshores) – de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões
- Tributos sobre incentivos fiscais estaduais que não sejam para investimentos – R$ 50 bilhões
- Retomada no voto de desempate no Carf – de R$ 35 bilhões a R$ 50 bilhões
- Regulamentação das apostas esportivas – de R$ 2 bilhões a R$ 4 bilhões
- Fim do Juro sobre o Capital Próprio (JCP) – indefinido
- Tributação de e-commerce internacional – inicialmente R$ 8 bilhões, mas com isenção de taxação em compras de até US$ 50, ficou indefinido
Viana aponta que a nova regra fiscal, que está tramitando no Congresso, prevê que o governo vá alcançar um déficit primário zero em 2024, quando, na verdade, a expectativa do mercado, coletado pelo último Boletim Focus, estima um déficit primário de 0,8% do PIB para o ano que vem.
“A expectativa geral do mercado é que o governo precisa buscar ao menos R$ 100 bilhões de receitas adicionais para poder tampar o déficit primário e cumprir com a meta estabelecida para 2014.”
Acontece que, por diversos fatores, especialmente por dificuldades no Congresso Nacional, o governo não tem encontrado espaço para poder aprovar medidas que levem a esse aumento de arrecadação.
“Então, seja porque medidas quando aprovadas no Congresso acabam resultando em um espaço de arrecadação menor do que o previsto inicialmente, seja também pelo conflito de espaço no próprio Congresso decorrente as discussões da Reforma Tributária”, aponta Viana.
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