Anna Beatriz Maria Colli escreveu um longo depoimento no Instagram da operadora de saúde que atende o filho de seis anos. Seu objetivo era solicitar a troca da sonda de gastrostomia e a traqueostomia.
Richard tem paralisia cerebral e, no fim do ano passado, engasgou com um pedaço de pão durante uma convulsão. Ele sofreu uma parada cardíaca que comprometeu a oxigenação no cérebro e depende de equipamentos para respirar e se alimentar. "Já é um sofrimento tudo que estamos passando, e ainda não facilitam", diz o post de Colli. "Precisamos recorrer através de reclamações."
Como a família de Richard, muitos têm utilizado o registro de queixas -nas redes sociais, na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) ou no Judiciário- para tentar solucionar problemas com planos de saúde. Só na agência, as reclamações passaram de 67.690 entre janeiro e julho de 2019, antes da pandemia de Covid-19, para 185.426 no mesmo período deste ano. São quase 900 reclamações por dia.
Apenas os registros por prazo máximo de atendimento -quando as operadoras ultrapassam os prazos previstos na tabela da agência para consultas e tratamentos- saltaram de 4.666 para 29.035, um acréscimo de 522%.
Questionadas, as entidades que representam as operadoras afirmam que as empresas estão trabalhando para melhorar a infraestrutura de atendimento e os sistemas, destacam que os planos têm canais próprios para reclamações e que a taxa de resolutividade no setor supera 90%.
Principais reclamações
Pai de Richard, Wagner Santos diz que foram vários apelos em redes sociais e três registros de reclamação nos canais da ANS desde outubro. Primeiro, para transferir o garoto do hospital público no Jabaquara, na zona sul paulistana, para um conveniado em Diadema, na Grande São Paulo. Depois, para pedir assistência domiciliar ("home care") e, agora, para a troca dos equipamentos.
"Procuramos uma advogada porque falta muita coisa. O plano não fornece fraldas, medicamentos para convulsão e proteção gástrica, equipos para nutrição. O que não encontramos no SUS estamos comprando com vaquinhas", afirma Santos, que contratou em 2017 o plano para os três filhos.
Segundo a ANS, dificuldades com reembolso e rede conveniada também foram registradas com frequência em seus canais, algo que para a advogada Juliana Hasse, presidente da Comissão de Direito Médico e de Saúde da OAB-SP (Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil), pode estar relacionado à ausência de informações claras sobre o contrato firmado com a operadora de saúde.
"Grande parcela dos planos é adquirida por meio de convênios corporativos e o usuário não tem uma compreensão precisa do que foi contratado, do que está ou não incluso", explica. Os planos de saúde individuais e familiares abrangem cerca de 8 milhões de beneficiários, ou 16% dos 50,6 milhões de consumidores de planos de assistência médica no Brasil. Os demais estão em planos empresariais ou por adesão (contratados por meio de sindicatos e associações).
Outra diferença entre as modalidades, aponta Hasse, está no percentual de reajuste. Para planos individuais e familiares, há um teto de aumento estabelecido pela ANS, enquanto o percentual de revisão dos planos coletivos é determinado a partir de negociações das próprias operadoras, o que também gera críticas. Nos sete primeiros meses deste ano, foram 8.413 reclamações na agência referentes a mensalidades e reajustes.
Problemas com rol de procedimentos e coberturas também cresceram: foram 12.091 reclamações na ANS nos primeiros sete meses de 2019, contra 16.634 neste ano.
"Muitos planos negam tratamentos que foram determinados pelos médicos e tentam realizar procedimentos mais simples e baratos", diz o advogado Fabrício Posocco.
Ele menciona, por exemplo, negativas das operadoras para oferecer "home care", como ocorreu com a família de Richard. "São situações que tornam complicadas as relações entre pacientes e planos e causam aumento de reclamações." De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), no fim de 2022, havia 520 mil processos referentes à saúde em tramitação.
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